segunda-feira, 26 de maio de 2014

O Retorno do Recalcado


    Vivendo por aqui e tudo parece estar dando certo.
    Sentamos na sala de informática e lá está uma pessoa qualquer e essa pessoa tem o cheiro da Koshka. É absolutamente uma pessoa qualquer, não é uma pessoa que me atrai, não é uma pessoa em quem eu projetaria qualquer dereísmo especial, mas a pessoa está ali e tem o cheiro da Koshka.

    Sinta esse momento.
    O retorno do recalcado.
    É ranho em seu nariz.
    É uma espinha em sua testa.

    Damos sequência a vida, após sermos perfeitamente gentis com uma pessoa aleatória na sala de informática só porque ela tem um cheiro.

    As pessoas adotam posturas-bolha. A classe média pode viver como se o mundo fosse perfeito, mesmo se ela está num lugar pra supostamente compreender a realidade. Uma sessão de psicodrama pode ser mais realista que uma bolha psicanalítica. O drama de Édipo não é menos falso, por ser cotidiano, do que todas as seções de psicodrama: pelo menos as combinações psicodramáticas acontecem na hora. Em Édipo, tudo já está combinado a priori. A gente só descobre. Como dizem Deleuze-Guattari: "Ah, então era isso" (papai-mamãe-eu!).

    A vida melhora um pouco com a consideração dos velhos amigos e a retomada de algumas das semi-novas potências. Há um tanto de utopia nisso: "tudo pode ser conciliado". Há, entretanto, e não queremos esquecer, o inconciliável, que, embora possa ser posto de lado, protesta contra  qualquer dessas lateralizações: o inconciliável esteve sempre conosco e está entre nós, escorre, balança, bagunça.
    Inconciliável como o cheiro da Koshka na sala de informática, enquanto passamos a limpo um relato de uma observação (estou contando sobre o meu dia-a-dia mais do que de costume!). Inconciliável como desejar profundamente uma pessoa se ela senta ao nosso lado pra ler. As panelas Tramontina são feitas de aço inoxidável. Os caninos do Lobo são feitos desse inconciliável.

    O inominável é inconciliável. Mas, devo dizer, o inominável é inconciliável por que ele escorre da usina do desejo e encontra o socius, e não "porque sim" (impulso de morte). O inominável é precisamente isso que a princípio não tem "nomia" (cuidado) e não tem nomia porque, na verdade, só pode ser exposto ou guardado (é uma intensidade a deixar correr ou reprimir um pouco mais) na medida em que a priori já tenhamos escolhido guardá-lo, quando o forçamos a ter um nome: "o inominável"; e portanto só pode ter nomia através de um certo grau de repressão a priori (forçamos um nome ao inominável).
     Inominável como aquilo que sentimos antes: é só a partir do inominável que podemos "desejar a pessoa". O desejo esquizo não funciona com desejos de objetos integrados! Quero você, você, você, você. Isso é teatro edipiano, é o novo Pop Rock a fazer sucesso em 2015. Está só aguardando que algum de nós, tomado por algo que força a ser designado como amor, atualize o teatro edipiano em massa, com guitarras, baterias e pose de rock'n roll, no domingo da Rede Globo.

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