terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Incineração

    Cada vez mais eu sou o demônio que transforma as coisas em pó porque não aguenta as coisas do jeito que estão, nem por um segundo.

    Quero matar meus antigos amores. Na verdade, é bom lembrar, né, gente, eu matei o próprio amor. Amor não é palavra para o que eu sinto, para o que eu quero.
     Mas... eu sou uma monstrinha. Eu sinto uma pequena tesão por ser, às vezes, absolutamente inaceitável. Absolutamente imprevisível. Sou um incômodo, sou um zumbido, um ruído. Sou aquele chuvisco estranho da tela da televisão mal sintonizada.
    
    Odeio.
    Odeio bonecas, odeio embonecadas, odeio embonecadores.
    Odeio arrumadinhos, arrumadores, mil modos de arrumar do mesmo jeito.
    Odeio coisas dentro das expectativas o tempo todo e odeio porque eu estou fora dessas expectativas. Como eu disse: sou monstrinha. Estou errada dentro do paradigma que você, que me lê, provavelmente sustenta. Sou errada em meu próprio paradigma.
    Odeio paradigmas.

    Gosto de ser nova mas estou muito-muito brava pra falar a respeito.
    Na minha mente, as palavras: incineração, morte, sepultura, ponto "sem retorno", fim, transformação, novo absoluto, impensável, descontinuidade, descategorização, descategoria. Fim do mundo. Fim do mim e fim do fim.

    Quero colar aqui uma frase que acabo de dizer pra alguém: "foi de tanto sofrer e não para criar uma singularidade do meu indivíduo e vendê-lo". Acho que essa frase eu disse para a pessoa mas eu queria dizer aqui. Então disse aqui.
    
    Digo de novo: "foi de tanto sofrer e não para criar uma singularidade do meu indivíduo e vendê-lo". 
    Foi por isso que passei a me produzir, ao invés de me analisar.
    Foi por isso que passei a destruir e a criar, ao invés de reparar, de reformar, de ampliar ou construir sobre.
    Foi por isso que passei a matar ao invés de mudar.
    Foi por isso que passei a me suicidar ao invés de me aperfeiçoar.
    Foi por isso que passei a me parir ao invés de me repetir.
    Foi por isso que passei a sepultar ao invés de falar.
    Foi por isso que passei a viver, ao invés de pensar.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Sessenta textos, dois mortos, todos feridos.

    Depois de tanto tempo eu descobri que uma velha (e jovem) amiga ainda sabe abraçar.
    Eu sei que ela sabe porque ela me abraçou com o abraço que ainda sabe ser um só. Acho também que isso ainda cabe no desejo.
    E eu estive olhando pra umas velhas coisas que em absoluto eu quero destruir, incinerar, tornar pó. Coisas que eu quero que morram sem sepultura. Coisas que eu quero anônimas, nutrindo árvores e rizomas que ignoro.

    E eu encontrei umas coisinhas que eu quero... tipo assim, gente... guardar na minha carteirinha de pano <3
    Encontrei pequenos gestos de amor guardados em folhas de papel, dados por pessoas que não existem mais daquele jeito. Umas memórias escondidas, umas histórias que dizem coisas que eu quero ouvir. Devem ser contos de fadas que o lobinho vai querer que eu queime, também, mas... por enquanto são historinhas felizes.

   Aquela pessoa que hoje me olhou com um certo desprezo, ou... será que era medo, ou angústia?
   Bom. "Eu te amo" - escrito num pedacinho de papel e assinado.
   Aquela pessoa que hoje é recatada, é embonecada demais pra velha Lilá, "monstrinha", "esquisita", "feiosinha".
    Uma cartinha em papel rosa, do tempo em que éramos crianças amigas... cartinha do tempo do brincar de sexo. Como fomos homossexuais... Uma cartinha do tempo em que essa pessoa tinha a fera mais solta do que o meu lobinho. Da época que eu conheci o lobo.

    Essas pessoas todas encontraram suas práticas de sempre, se encheram de preguinhos. Fico feliz por continuar sendo a Arteira Lilá, sempre imprevisível, sempre nova. Fico feliz por não saber quem eu sou quando olho no espelho, por não me sentir sendo "eu mesma" simplesmente porque me produzo o tempo todo... ou por me sentir "eu mesma" quando a velha amiga disse "seja você mesma". Eu fui eu mesma e "eu mesma" morri dali a dez segundos. "Dez minutos é o máximo que se pode esperar da perfeição"... acho que foi isso que o Tyler disse. Eu digo dez segundos. Dez segundos depois, "eu mesma" já era uma repetição, e as palavras "eu" e "mesma" não cabiam mais na minha organização molecular.

    Mas as pessoas sabem abraçar daquele jeito que não tem vergonha.
    As pessoas sabem abraçar sem medo de talvez desejar.
    Sabem abraçar sem medo de sexo.
    Abraçam sem medo de beijo.
    Sem medo beijam.
    Lambem.

    <3 Lilá. <3

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Fantasmas

    Eu quero todas as cartelas de levonorgestrel do mundo em chamas ao mesmo tempo. Fumaça anticoncepcional.
    Eu quero mais e mais riscos e furos feitos à faca nos meus braços que digam sobre todas as vezes em que o Lobo não me perdoou.
    Eu quero sentir o cheiro de podre e ouvir o zumbir das moscas sobre os cadáveres de todas as esperanças que nunca morrem.

    Meus sonhos realizam os desejos da fera, aquela que está no mais escuro beco da minha alma. A cidade é cheia de pessoas, carros e caminhões com cargas que não me pertencem: estão por ali só de passagem e já foram compradas por outras pessoas que as demandaram, pessoas de outros lugares.
    Meus sonhos realizam os desejos da fera e me condenam a sentir todos os cheiros de sua liberdade enquanto durmo. Me condenam a sentir todos eles (há pele que desejo bem sob minhas narinas) e pensar que eles estão perto só porque estou dormindo... não estariam de outra forma.
     E se eu beijar essa pele, será só sonho.
     E se eu sentir que ela se move justo assim, como se move, será só sonho.

     De qualquer forma...
     É que me sinto muito longe de ser suficiente para que algum desses cheiros apareça à luz do dia, comigo acordada... é que sinto como se apenas essa fera tivesse um uivo belo o suficiente para que os gatinhos queiram carinho...
     E tudo o que eu matei está em meus sonhos, em forma de desejo e portanto "está" apenas enquanto processo, enquanto fluxo, mas ao mesmo tempo "não está", porque é desejo e então é sempre imprevisível, impensável... É o que me parece. E tudo isso que "foi parar" nos meus sonhos me faz lembrar de tudo o que eu ainda não destruí e que talvez precisasse ser destruído.

    Tenho dito que meu otimismo de agora tem a ver com crer na minha capacidade de "destruir tudo, reconstruir e começar de novo"¹. Talvez esteja na hora.

     Abraços da Lilá.

1- isso é de uma música do Hatebreed... confiram: http://letras.mus.br/hatebreed/794840/traducao.html

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Minguante

    Sabotei o lobinho hoje, gente, ferrei com ele. Estou triste.
    Encontrar tantos gatinhos numa só noite não é pra qualquer uma e eu amarrei o Lobo nos meus calcanhares pesados de Lilá. Os gatinhos não se interessam pela gente se aprisionamos nossas feras.
    
    Eles devem estar indo pegar o ônibus. Mas eu me saboto até o último instante, escrevo isto aqui.
    
    Os novos encontros devem ser feitos de liberdades que dou. Hoje eu dei algumas oportunidades e ele aproveitou-as bem. Mas então lhe neguei a oportunidade de dançar, de ser livre com o corpo ao redor dos gatinhos. Fiz muito mal.
     Não sei o que escrever a mais. Talvez este desabafo não construa nada. Eu odeio desperdiçar essa energia.

     Que possibilidades foram abertas pelos encontros... aqueles produzidos quando DEIXEI o lobo explorar? Já no que não deixei, o que foi que produziu? O que quero destruir? Como vou destruir? O que construo sobre a terra arrasada e como?

     A gente vai ver.
     Desejos <3
     da Lilá.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Lua Cheia: Antídoto

     Acordo e apago a luz; Apago pactos, promessas, juramentos, palavras de ordem. Apago mentiras, apago o veneno quente que se inocula nos corações jovens.

     Minha cabeça dói, lateja neste escuro.

     "O que é que me faz querer viver?" — penso.
     Então há uma única luz, uma chama, à minha frente. Seu movimento é sutil da dança do fogo e eu sei que ele apaga assim que eu fechar os olhos.

     Eles estão abertos.

    "Nenhum dos nomes que carrego pode me salvar" — E volto ao escuro. E minha cabeça ainda dói, mas na verdade não importa.
     Há uma razão pela qual não posso morrer.

    Posso ver. Ao meu lado há uma estátua; é a nova estátua. Ela é grande e aos seus pés está escrito o nome que eu lhe dei diante do homens. É a estátua de um antídoto.

    "Anti-amor".

    Saí na noite e então a Lilá achou que devia ficar triste por ter sido culpada por uma coisinha que aconteceu. Bem, o que importa pra vocês é que fomos culpadxs por um erro que a Lilá admitiu e que tentou reparar, mas não pode. A tolinha da Lilá ficou magoada porque ela desejou aquele gatinho e agora ele estava brabo conosco. Eu quase fiquei triste, mas então me lembrei que não sou um cachorro.

    EU SOU O LOBO.

   Atravessado por isso eu quero fazer Filosofia de Lua. Vou falar sobre autorresponsabilização e responsabilização-culpa. O Romeu ia falar sobre isso antes de morrer. Tenho o rascunho dele aqui, mas nem vou ler.

     O Romeu que se foda no inferno.

    Ele ia criar uma ruptura esquizo-paranóide entre responsavilização e culpa. Bom, minha "esqizo-paranóia" eu resumi na separação entre mim e a Lilá. Não preciso de outras.
    Então eu posso dizer que responsabilização e culpa são essencialmente a mesma coisa ("problematizações" ou "atribuições causais" ao campo da psique). O que acontece é que, ao falar em autorresponsabilização, eu estarei falando de uma projeção causal desse tipo que é (predominantemente, pelo menos) sentida como "livre", como "escolhida" pelo sujeito. Inversamente, ao falar de culpa estarei falando de um movimento que, em geral, "pressiona" a psique, é sentido como pesado, forçado, doloroso e, predominantemente, como proveniente "dx(s) outrx(s)".

    Quanto ao ato de responsabilização — que dizemos ser a projeção causal na (numa) psique, no "ser", que caracteriza tanto a autorresponsabilização quanto a responsabilização-culpa — quero dizer, por último (porque já estou me alongando):

a) Que é um movimento que, em nosso ponto de vista (pelo menos o meu e o da Lilá, rs) só é concebível como um movimento psíquico, visto que enxergamos todo problema como um campo de análise-intervenção escolhido pelo sujeito e com o qual este está implicado, e nesse sentido, somos deterministas radicais, cremos que a procura da origem dos "problemas" enquanto jogos de causa-efeito e modulações, etc. nos levaria a uma regressão infinita ao impensável.
b) Que o movimento de responsabilização funciona especialmente para mobilizar os sujeitos a gerar mudanças "a partir de si" (ou seja, para que os sujeitos, ao se responsabilizar, ou ao se colocar como "causadores", como "culpados", problematizem a si mesmos e a seus campos de intervenção no sentido de produzir mudanças, "melhorar").

Cabe investigar a quem/a que lógica serem as diversas utilizações (culpa, autorresponsabilização...) deste movimento.

Lambida!

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Anti-amor, desejo.

    Desperto novamente porque preciso despertar e não aguento mais estar no forno - ser confundido com "Amor".

    "Amor" é uma fantasia religiosa, é o adestramento do meu desejo.
    "Amor" é um nome para algo que se resolve através de práticas místicas, de rituais.
    "Amor" são mil prescrições e duas mil proscrições.

    Eu, o Lobo, não sinto amor. Eu não amo ninguém.
    Eu não acho que uma tradição dá conta do meu acasalar.
    Não acho que uma palavra a que se apegam as instâncias mais conservadoras deste planeta deve dizer sobre o que eu sinto.
    NÃO, definitivamente eu NÃO SINTO AMOR.
   
    "Amor" é o que "Jesus" sente por "nós".
    Eu não sinto isso por ninguém. Não quero morrer por ninguém. Quero é viver. Quero viver pra sentir meu corpo encostar no de vocês. Quero viver pra sentir minhas unhas arrancando pedaços de pele dos meus oponentes. Quero viver pra ver o que há e não ver o que não há.
    "Amor" é o que Romeu sentiu por Julieta e Romeu fez que nem Jesus e morreu. Romeu quis morrer por Julieta e ESTÁ MORTO.

     "Amor" envolve submissões, envolve abaixar a cabeça (,os olhos e o pênis) e aceitar limites.
      Eu não sinto que devo me submeter para que os outros se submetam. Quero todos nós insubmissíveis: quero que lutemos por essa insubmissão e que da insubmissão surja o respeito instável, a dança inflamada que ilustra o pode-não-pode jamais fixo e sempre mutável.

    "Amor" envolve demarcações para permissões coletivas.
     Meu sentimento é sem permissão, é sem proibição. A proibição possível é a que flui da insubmissibilidade dos outros, de seu desejo. Não flui de minha submissão. Não coagula na proibição que todos aceitam. Não aceita ser crime, não aceita ser pecado, não aceita ser virtude.

     "Amor" não é o que eu sinto.
     O que eu sinto não aceita a palavra como jaula, não importa que palavra.
     Se eu disser "desejo", indico mas não encapsulo aquilo de "que" falo.
     Quando digo "anti-amor", desencapsulo o que havia na palavra, deixo que os ossos de Romeu nutram a terra enquanto moléculas, enquanto átomos: nem permito que nutram a história enquanto regras, nem permito que nutram meu sangue enquanto afetos.

    Viva o anti-amor,
    Viva o desejo!!!

     AAAAAAAAAAAAUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU!!!