quinta-feira, 20 de março de 2014

Equinócio

    A primeira e mais bela folha encontra o chão e então sabemos que é outono.

    A natureza é tomada no sentido de ciclo, mas não o ciclo da "bicicleta", apesar do pesar.
    Essa natureza  —  que cuida dos ciclos, que assiste o todo, natureza em que a crise é um novo começo, do desapego sutil à ordem do asfalto e que equilibra-se no desequilíbrio — não permite, afinal, que seu equilíbrio, próprio do ciclo, seja o da balança, o da quantificação, o da métrica.
 
    Por que foste cair, ó folhinha mais bela, se te queremos em nossos ramos, em nossos abraços?

    A folhinha brilhava sob o Sol e agitava-se com o vento, enchia-nos de energia, do tronco às raízes. Alimentava-se do mundo, de sua fascinação pelo céu, pelo Sol e pelo solo. Enchia-nos, desde que surgiu nesta árvore, com a doce energia que apenas o seu singular contato com este mundo poderia produzir.

   É difícil escrever sobre essa folhinha agora. Lembramos de como ela nos abraçou forte. Lembramos de uma sinceridade de dizer, de ser e de nos afetar (com afetos). Lembramos do seu convite a deslisar, com ela, como ela, no vento, e sentir (novamente ou pela primeira vez) o que a nossa noção de natureza tornou incomunicável.
   E é difícil porque continua incomunicável.

    Em solidariedade a todos os que conheceram e aos tiveram a oportunidade de conviver com Daíse Duarte Lopes, uma pessoa que conheci muito menos do que gostaria, mas que me marcou com valores, afetos e saberes que jamais vou esquecer.
    Em homenagem a uma amiga insubstituível.

    É difícil de acreditar.

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