sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Madalena

    Minhas pernas estavam fracas, porque a Madalena me cansou. Quando a gente se encontra eu sempre canso. Mas fazia tempo que não durava três horas.
    Fazia tempo.
    Saí suada e ela feliz (às vezes eu acho que realmente SEI tocar ela).
    Que bom que foi assim.
    Aí percebi que ele estava o tempo todo ali conosco, me ensinando a fazer, me mostrando como mexer. Quando ele diz é bom porque eu não penso em nada: só faço. Ele está ali e eu me solto e me deixo ser com a Madalena o que ele é na noite. E então eu sei que ele estava conosco ainda nos primeiros tempos do Romeu, antes mesmo da Drugui aparecer. Tempos de força. Mas eu sempre digo pra todo mundo que agora eu voltei à "vida no modo hardcore". E é que voltei mesmo. Mas, desta vez, o Romeu está morto e eu não tenho medo de morrer - e, mesmo que ele venha, não me deixarei parar por nada.

    A missão um era: "I: Falar com um estranho".
    Então ela estava lá, andando, do outro lado da rua, e era eu olhando, eu me fascinando nas perninhas brancas dela. Eu quis conversar, juro que quis conversar.
    Foi a fascinação, a fascinação suficiente para não pensar, não imaginar mil coisas a priori, que me permitiu olhar tanto, mostrar tanto.
    Passei dela e percebi que isso não era de todo mal.
    Pensei na promessa porque ela estava em jogo.
    Atravessei a rua porque eu queria ganhá-lo. Era inescapável.
    Olhei para a calçada que se estendia, por onde ela andava.
    Ela não estava mais lá. Pensei "ora, como sempre, Lilá! Perder tempo também é ficar com medo demais, é não conseguir. Como sempre fazemos com a Koshka! Ela se foi. Descumprimos a promessa!".
    Mas ela apareceu. Ela estava vindo mesmo, e eu olhei, olhei fixamente e ela percebeu, passou por mim. Fui deixada pela sainha negra botão-de-rosa. Não consegui falar nada. Fui fraca.
    Lembrei do que estava em jogo. Era o futuro. Era a vida.
    Andei rápido. Estava brincando com umas pedrinhas na mão esquerda, girando elas na palma da mão, tirando e colocando com a mão direita.
     Não pude alcançá-la antes da parada de ônibus cheia de gente, então teve que ser depois.
 
    (Tem alguém aqui, esperem....)

    Continuando...
    "Moça", acho que eu disse, "desculpa incomodar, mas..." (me interromperam de novo e agora querem me dizer o que fazer!). De novo: "mas eu prometi que ia perguntar o teu nome".
     Ela se d;ç... (Nossa! Agora um cachorro veio aqui. Como eles são desastrados! Até pisou no teclado! Como eu nos prefiro, nós, os gatos... melhor entrar dentro de casa. Escrevo comendo minha ração. nham-nham).
     Bom, eu disse "desculpa incomodar, mas eu me prometi que perguntaria o teu nome". Aí ela se defendeu muito rápido. Disse "Não, tranquilo, tranquilo. Eu sou (ou meu nome é...?) Akiren".
     "Eu sou a Lilá", eu disse.
     "Não... tranquilo, tudo bem", ela ainda falava, mas pra quê?
     "É que eu sempre tenho muito medo de falar com as pessoas. Então hoje eu queria superar esse medo. Obrigada por me ajudar!", eu expliquei. Acho que foi por aí que eu joguei uma das pedrinhas com que eu brincava pra frente, que nem bola de boliche, e joguei a outra no lixo.
     Ela só repetia que estava tudo bem pra ela. Acho que ela disse "de nada", também. Aí perguntou se eu ia pra escola. Eu disse que não. Perguntei quanto a ela. Ela disse que não, que tinha idade pra ser minha mãe, tinha 32. Eu disse "ah é?".  Aí eu disse: "Mas por quê? As pessoas sempre me dão mais (idade) do que eu tenho." Ela disse: "Pra mim tu parece uma adolescente". Eu disse: "Mas até onde vai a adolescência?".
     A adolescência vai até os 17, 18, 19, 20. Geente, eu não tenho cara de 17.
     "Bá, mas isso é bom, achei que estava ficando velha.", eu falei, e "Tu?", ela perguntou.
     Eu respondi o "é" que se esperava olhando para o lado oposto e mordendo os lábios.
     Eu disse que era um presente. Agradeci pelo presente de ser uma adolescente.
     Perguntei se então ela trabalhava na escola. Ela disse que não. Ela disse que só perguntou da escola porque "viajou" que tinha aula hoje, mas não tem, estão de férias. Aí eu disse que estou de férias da faculdade. Ela perguntou do que era a faculdade e eu respondi. Ela disse que tem uma prima que faz o mesmo curso.
     Eu disse que não sabia como eu ia ajudar as pessoas.
     Ela disse que "isso" se supera, com certeza... com certeza...
    "Isso" era o medo das pessoas, que eu realmente estava superando, eu acho.
     Eu disse que perguntei da escola, quando passamos por ela, porque eu tinha me formado lá.
    Ela disse que não era daqui. Que mora aqui a dez anos, mas é de Santa Catarina. Perguntei se ela gostava daqui. Ela disse que sim, que aqui é bom de morar.
   
     Acho que foi aí que ela se precipitou para o lado da rua dizendo que ia atravessar pra ir na padaria. Eu disse "tudo bem", eu acho, e "desculpa encher o saco".
   
     "Tudo bem", acho que ela disse.

     Não conferi se ela ia na padaria.
     Continuei andando.
     Cheguei em casa.
     Escrevo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário