sábado, 2 de abril de 2016

Desejo de rigor.

    Tenho sentido a necessidade de colocar algumas balizas no pensamento. Estabelecer com a realidade uma relação mais digna do meu posicionamento em relação à vida. Rapidamente, dou-vos alguma noção deste último: digo a) que a ele me conecto a partir, principalmente, de inibições e de uma ou mais fixações, que sinto principalmente num desejo de supercompensação (o qual desloco, entretanto, com este tipo de racionalização); b) que o tenho buscado incluir em melhor metáfora, com algumas palavras de poetas que admiro, que dizem que a vida "é um presente para ser vivido e amado"¹; pensando minha condição, traduzi livremente: a finitude  que estabelece o valor da minha vida é a mais difícil de ser medida, assim como o investimento múltiplo que a constitui enquanto potência. Os próximos dias que provavelmente viverei, os próximos anos sobre os quais não tenho segurança alguma, e a segurança que pretendo, derivada das condições que vejo necessárias para meus projetos... Acabo concluindo que cada segundo vale pelo "não-mensurável" de sua finitude. Respiro cada vez como se fosse a última. E tento fazer de minhas respirações, dos percalços com que preencho, a cada instante, meu possível último instante, atualizações cuidadosas com o projeto (ou, melhor, com a potência) e atentas para a finitude.
    Inclinado a pedir perdão pelo que pode parecer um devaneio, digo que essa metáfora hiperabrangente pela qual posiciono racionalmente minha vida tem tudo a ver com o desejo de rigor que aqui descrevo. Trata-se, ao que me parece, da mesma coisa: fazer a vida valer em sua potência e em sua finitude, fazer as ferramentas de que dispomos servirem, o máximo possível, a essa vida (que pode acabar em 3,2,1 --- levando tudo o que aprendemos, sentimos, pensamos, para ...? Talvez "bem longe", como na metáfora infantil). Dito isso, penso ter justificado a existência de algum tipo de rigor, mesmo que seja o da "intensidade", alguma coisa como dizer, por exemplo, que um embotamento muito forte tem motivos justos para ser considerado triste --- ou, simplesmente, em algum grau, que ele seja uma derrota da vida, o que para mim é óbvio, inclusive pelo desfecho comum do suicídio.
    Resta, ainda, a tarefa de justificar os meus rigores.

    Em primeiro lugar, meu amor à vida gosta de ser contagioso e acaba estendendo-se a toda forma de vida. Desejo preservar e expandir toda forma de vida e entendo que a inteligência capaz de fazê-lo justifica-se na ética da evolução e na ética humana pelo desejo de conservação. Quanto à liberdade de morrer, creio justificar-me pois, nos casos em que isso torna-se assunto, os desfechos posteriores costumam revelar a subestimação da potência da vida (evidentemente, quando o desfecho não é a morte).
    Em segundo lugar, meu amor à vida gosta de ser contagioso e acaba estendendo-se ao seu "como", e assim, ao sofrimento e às coisas do campo do reforçamento, do prazer, da felicidade, da alegria e mesmo da fortuna. Considero, por isso, a profunda desigualdade de condições que existe neste mundo, especialmente em humanos e mesmo em outros primatas, cuja potência é tão dependente de atualização, um atentado contra a vida (em potência, em conservação). 
     E, assim, creio ter enumerado os principais pontos que estabelecem os argumentos éticos para meu rigor, as "balizas" que mencionei ao início. Na prática, esse rigor estabelece a utilidade do poder de predição, ou a necessidade de compreensões que estabeleçam diálogos úteis --- no sentido dos argumentos colocados --- com a realidade. Em que impasses têm me colocado e, talvez, algum progresso nesse sentido a partir das reflexões deste pequeno pedaço de cybermundoimundo, deixarei para um próximo pedaço a ser constituído.
     Abraços, gente querida que tem lido. Conto com vossas contribuições.

NOTA:
1: ... nesse impulso de beleza, e talvez por tradição (algo, nesse caso, cuja aniquilação é recomendável), brinco com o pensamento freudiano, pensando que esse "amar a vida" pode vir como um narcisismo primário; mas concedo-lhe, quando penso, principalmente as característica daquilo que o Freud pensou como "impulsos de autoconservação do Eu".

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