Vocês estão sendo enganados,
bons eleitores, vocês estão sendo ludibriados, eles os bajulam
quando dizem que vocês são a justiça, o direito, a soberania
nacional, o povo-rei, homens livres. Colhem seus votos e é tudo.
Vocês não são mais do que frutas… bananas.
Zo d’Axa. “Aos eleitores”.
3 de maio de 1898.
Mais um ano eleitoral chegou. E,
mais uma vez, lá estão os políticos. Nas ruas, nos jornais, nos
onipresentes “santinhos” ou na tela da televisão: prometem
transformações, vomitam slogans ridículos, dizem que “agora vai
ser diferente”. No entanto, passam as eleições e as coisas não
mudam profundamente.
Escândalos de corrupção, elevados
níveis de violência, precário sistema público de saúde, falência
da educação, repressão aos anseios camponeses por reforma agrária,
criminalização de movimentos sociais populares. Mazelas e misérias
historicamente construídas pelo modo capitalista de viver e de
organizar a sociedade.
Se há mudanças mínimas,
liberdades duramente conquistadas e relativos alargamentos na “área
da cela” na qual sobrevivemos (como diria o anarquista Noam
Chomsky) elas foram fruto da pressão de movimentos organizados, do
clamor das ruas. Movimentos que não se contentaram em ser guiados
pela pauta das casas legislativas.
Ainda que, a partir do século
XVIII, a burguesia tenha se voltado contra o absolutismo do Antigo
Regime – em nome de “liberdade, igualdade e fraternidade” – a
noção de soberania popular foi se relativizando (e se
enfraquecendo) na medida em que o poder burguês foi consolidado. Uma
vez no comando, a burguesia não hesitou em limitar a participação
popular a um mínimo, utilizando-se de ferramentas tanto de repressão
quanto de convencimento. E, com muito custo, foi absorvendo em seu
favor alguns dos anseios das massas – sufrágio universal,
participação da mulher, voto secreto, etc.
Atualmente, os elementos persuasivos
são largamente utilizados por um eficiente aparato de propaganda. O
slogan governamental decreta: “O destino do eleitor está em suas
próprias mãos”. Assim, o discurso oficial identifica o ato de
votar (ou apertar botões, em sua versão mais moderna) como o
momento máximo de “cidadania”. Não se discutem evidentemente,
os limites desse modelo ou as formas de aumentar a participação de
todos em seus destinos, de modo efetivo. A eleição acaba sempre
sendo um bom negócio paras as elites. Uma das maiores armas das
oligarquias é justamente a desmobilização – que se amplifica
ciclicamente no ritual das urnas. A direita só clama por mobilização
popular quando se organiza com vistas ao retorno da “ordem” ou ao
fascismo. Mas o fascismo torna-se necessário apenas quando as
ameaças parecem transbordar as urnas, e as ameaças às estruturas
do sistema só ocorrem com muita mobilização e organização
popular.
A pseudodemocracia vigente adormece
a possibilidade de esclarecimento, de conscientização, de
organização e de ação política em seu sentido mais incisivo: o
de atuar na pólis, na cidade, no bairro, no cotidiano, a partir de
organismos autônomos, horizontais, assembleias, associações de
bairro, conselhos de operários – ou quaisquer outras definições
do que, na essência, significa democracia direta.
Os anarquistas sempre estiveram
atentos frente às estratégias mistificadoras da democracia
burguesa. Buscando fugir da ação política institucionalizada –
como diria Jaime Cubero, essa grande “arma burguesa de
retardamento” da democracia direta – a proposta anarquista
caminha no sentido de estimular a autonomia, o protagonismo dos
cidadãos, a política feita de forma direta; distinguem-se assim de
outros setores da esquerda que apostam em vias eleitorais.
A participação nas eleições
pelos partidos políticos de esquerda nos mostra a problemática de
usar meios inadequados para alcançar certos fins. Há os que querem
usar as eleições “apenas como propaganda”, como se fosse
possível competir com o aparelho burguês por seus próprios
mecanismos, sem caricaturar ou ridicularizar as propostas socialistas
em rede nacional!
Outros dão ênfase apenas à
questão tática da eleição, argumentando que seria perfeitamente
possível aliar a luta parlamentar às estratégias de massas –
a dos movimentos sociais. No entanto, percebe-se que essa ação
“inofensivamente” tática vai se tornando paulatinamente
“estratégica”, fazendo que estes grupos progressivamente
deformem o projeto original que defendiam. Estes vão ajustando
lentamente seus projetos aos meandros da democracia burguesa, dos
gabinetes, das condições legais, muito eficazes em anular projetos
radicais.
Não se trata de uma questão
substancialmente “moral” ou de “traição” – ainda que a
imoralidade e a mentira possam também fazer parte de todo o
processo. Estamos falando de um tipo de dinâmica que é própria da
ação parlamentar: a ação institucional vai solapando a ação de
massas. O que era um projeto “periférico” ganha cada vez mais
contornos de “centro”. Nas novas periferias geradas no processo,
ficarão os movimentos sociais que esses partidos hegemonizam ou
influenciam (as suas “bases de apoio”).
Os parlamentares e mandatos
“combativos” destes partidos de esquerda – já encastelados
como centros, ou seja, poderosos aglutinadores de recursos
financeiros e políticos – impõem assim o ritmo das lutas de fora
para dentro dos movimentos. O resultado é o pior possível:
movimentos que ficam subordinados aos limites da legalidade burguesa
ou às figuras carismáticas – a forma mais irracional de
subordinação política. A elite sabe que, se um candidato “radical”
se candidata para contestar estas estruturas, é possível aplicar a
mais antiga das fórmulas democrático-burguesas: caso se candidate
que JAMAIS se eleja; caso se eleja garanta que não governe; e caso
governe… derrube-o!
Nestas eleições, portanto, tanto
faz votar nulo, no “menos pior” ou não ir votar. O voto útil
“contra a direita” e a política cínica (ou ingênua) do
“melhorismo” ignoram que os exploradores já têm seus postos
garantidos na estrutura de poder independente do resultado das
eleições: estão representados no BNDES, nos projetos das
empreiteiras, nos monopólios de comunicação, nas estruturas
verticais de trabalho e de organização e no extermínio da
juventude pobre e negra pela polícia.
Um governo “mais à direita”
pode reprimir mais os movimentos sociais é verdade. Um “mais à
esquerda”, pode ao invés de reprimi-los, comprar ou cooptar os
movimentos. Contudo, os prejuízos de ambas as políticas são
igualmente terríveis, se a primeira ataca mais os direitos dos
trabalhadores, a segunda os desarma completamente para defendê-los.
Os governos evidentemente mudam, e enquanto houver capitalismo, todos
sabem que isso não é nenhuma novidade.
Deveríamos nos perguntar, não as
condições que desejamos para construir nossas lutas, mas sim, como
podemos impor nossas pautas – a dos movimentos sociais –, aos
carniceiros, sejam eles de direita ou de esquerda? Que tática e
princípios nos servimos para enfrentar a repressão ou a cooptação?
Decerto não os removeremos destes
postos sem um intenso e árduo trabalho de organização popular que
possua fins revolucionários. Para isso, é necessário criar,
fomentar e desenvolver a autonomia da classe em seus próprios
organismos; fortalecermos um movimento de movimentos; criarmos um
povo forte. Um povo que não dependa de líderes, messias ou
candidatos a super-heróis.
É somente pela base que construímos
experiências concretas de organização popular e assentamos as
experiências de poder popular. Com a massificação dos organismos
populares e a generalização da democracia direta, poderemos um dia
ameaçar a ordem vigente e construir, nos mecanismos que levam à sua
ruptura, uma nova experiência político-social. Assim fizeram os
comunnards da Comuna de Paris em 1871; os trabalhadores espanhóis em
1936; os operários e camponeses russos em 1905 e 1917. Assim fazem
os zapatistas, e assim fez o povo de Oaxaca em 2006, que, com suas
assembleias populares, expulsou o governo e a polícia da cidade e se
autogeriu politicamente, dando vida à Comuna de Oaxaca.
Aqui vamos tentando, experimentando
e caminhando; mas tendo a certeza de que os caminhos da emancipação
popular definitivamente não passam pelas urnas. Se passassem –
parafraseando um velho ditado libertário – as eleições seriam
obviamente proibidas.
Outra Campanha: Nossas
urgências não cabem nas urnas!
A Outra Campanha – inspirada no
exemplo de ação autônoma dos zapatistas mexicanos – busca
construir uma nova forma de fazer política, com base no protagonismo
e na luta popular. E, em vez de pedir o voto, incita a organização
autônoma, a formação de coletivos, a vontade de interferir no
próprio destino. E, no lugar de “santinhos” e slogans, quer:
“autogestão, cooperativismo, ajuda mútua, ação direta,
ocupações, mobilizações, socialismo libertário, gestão
não-hierárquica, democracia direta, organização em grupos locais
e coletivos em federações, e reforma agrária coordenada pelos
próprios camponeses”. No Brasil, a Outra Campanha está sendo
organizada por vários grupos e conta com adesões nos estados do
Alagoas, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, etc. Saiba
mais sobre a Outra Campanha no site:
http://outracampanhabrasil.blogspot.com
Por FARJ Federação Anarquista do Rio de Janeiro – Organização Integrante da Coordenação Anarquista Brasileira
E como poderemos tentar fazer para ajudar?
ResponderExcluirPrecisamos expandir os ideias libertários, começando por nichos. Liberdade e Consciência, sem preconceito, de forma igualitária e horizontal; começando nos meios em que convivemos, escola, faculdade, trabalho, família, etc. O poder popular começa com consciência.
ExcluirTexto bem escrito.Gostaria de saber quem é o autor.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
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